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sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A Copa (não) é nossa.

Lembramos de nosso combativo deputado, hoje secretário da habitação, relator à época da CPI da CBF denunciando as mazelas do futebol que apaixona muitos brasileiros, e culminou na edição do livro denuncia CBF NIKE, pela editora casa amarela, tendo curiosamente como parceiro o atual ministro Aldo Rebelo.

Hoje o artigo que reproduzo abaixo, publicado no jornal Correio Brasiliense, Frei Betto, identificado com a história do PT em seu início, tenta, com razão, chamar a atenção de seus antigos amigos de lutas, apelar para um pacto em defesa da luta contra a apatia, quem sabe remunerada, que tem imperado sobre esse assunto, e serve também de alerta para nosso líder tucano, mesmo sem a ajuda cotidiana de Silvio Torres especialista na coisa, Duarte Nogueira se manter alerta na defesa dos direitos dos brasileiros.

Não tenho dúvidas de que nosso Silvio Torres, nesse ponto, deve concordar com Frei Betto.

Artigo:

A Copa (não) é nossa
Por Frei Betto

Para bem funcionar, um país precisa de regras. Se carece de leis e de quem zele por elas, vale a anarquia. O Brasil possui mais leis que população. Em princípio, nenhuma delas pode contrariar a lei maior — a Constituição. Só em princípio. Na prática, e na Copa, a teoria é outra.

Diante do megaevento da bola, tudo se enrola. A legislação corre o risco de ser escanteada e, se acontecer, empresas associadas à Fifa ficarão isentas de pagar impostos.

A Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita o endividamento, será flexibilizada para facilitar as obras destinadas à Copa e às Olimpíadas. Como enfatiza o professor Carlos Vainer, especialista em planejamento urbano, um município poderá se endividar para construir um estádio. Não para efetuar obras de saneamento...

A Fifa é um cassino. Num cassino, muitos jogam, poucos ganham. Quem jamais perde é o dono da casa. Assim funciona a Fifa, que se interessa mais por lucro que por esporte. Por isso desembarcou no Brasil com a sua tropa de choque para obrigar o governo a esquecer leis e costumes.

A Fifa quer proibir, durante a Copa, a comercialização de qualquer produto num raio de 2km em torno dos estádios. Exceto mercadorias vendidas pelas empresas associadas a ela. Fica entendido: comércio local, portas fechadas. Camelôs e ambulantes,
polícia neles!

Abram alas à Fifa! Cerca de 170 mil pessoas serão removidas de suas moradias para que se construam os estádios. E quem garante que serão devidamente indenizadas?

A Fifa quer o povão longe da Copa. Ele que se contente em acompanhá-la pela tevê. Entrar nos estádios será privilégio da elite, dos estrangeiros e dos que tiverem cacife para comprar ingressos em mãos de cambistas. Aliás, boa parte dos ingressos será vendida antecipadamente na Europa.

A Fifa quer impedir o direito à meia-entrada. Estudantes e idosos, fora! E nada de entrar nos estádios com as empadas da vovó ou a merenda dietética recomendada por seu médico. Até água será proibido.

Todos serão revistados na entrada. Só uma empresa de fast-food poderá vender seus produtos nos estádios. E a proibição de bebidas alcoólicas nos campos, que vigora hoje no Brasil, será quebrada em prol da marca de uma cerveja made in USA.

Comenta o prestigioso jornal Le Monde Diplomatique: "A recepção de um megaevento esportivo como esse autoriza também megaviolação de direitos, megaendividamento público e megairregularidades".

A Fifa quer, simplesmente, suspender, durante a Copa, a vigência do Estatuto do Torcedor, do Estatuto do Idoso e do Código de Defesa do Consumidor.

Todas essas propostas ilegais estão contidas no Projeto de Lei nº 2.330/2011, que se encontra no Congresso. Caso não seja aprovado, o Planalto poderá efetivá-las via medidas provisórias.

Se você fizer uma camiseta com os dizeres "Copa 2014", cuidado. A Fifa já solicitou ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) o registro de mais de mil itens, entre os quais o numeral "2014".

(Não) durmam com um barulho deste: a Fifa quer instituir tribunais de exceção durante a Copa. Sanções relacionadas à venda de produtos, uso de ingressos e publicidade. No projeto de lei acima citado, o artigo 37 permite criar juizados especiais, varas, turmas e câmaras especializadas para causas vinculadas aos eventos. Uma Justiça paralela!

Na África do Sul, foram criados 56 Tribunais Especiais da Copa. O furto de uma máquina fotográfica mereceu 15 anos de prisão! E mais: se houver dano ou prejuízo à Fifa, a culpa e o ônus são da União. Ou seja, o Estado brasileiro passa a ser o fiador da entidade em seus negócios particulares.

É hora de as torcidas organizadas e de os movimentos sociais porem a bola no chão e chutarem em gol. Pressionar o Congresso e impedir a aprovação da lei que deixa a legislação brasileira no banco de reservas. Caso contrário, o torcedor brasileiro vai ter que se resignar a torcer pela tevê.